A primeira imagem que vem à minha cabeça quando ouço à Rhapsody in Blue, de George Gershwin, é a de um horizonte tomado por arranha-céus, ao amanhecer. Homens de todas as classes e raças correm de um lado para o outro, é um dia na cidade começando novamente. Essa imagem é formada na minha mente e na de muitos outros graças a dois homens: o cineasta Woody Allen e o cartunista Al Hirschfield. O primeiro a utilizou na abertura de seu Manhattan, filme de 1979, que mostra a história de um escritor de meia-idade, cuja esposa o abandonou para viver com outra mulher. O segundo é responsável pela animação feita para a peça no musical Fantasia 2000, de 1999, de Roy Disney (sobrinho do famoso Walt) e Ernst. Em ambos os filmes, a música acompanha imagens de um dia em Nova York.
George Gershwin (nascido Jacob Gershowitz) nasceu na Nova York de 1898 Foi criado no Brooklyn, onde teve contato com o dia-a-dia do cidadão comum nova-iorquino. Aos dez anos, começou a demonstrar interesse pela música, e começou a tocar no piano que seus pais haviam dado a seu irmão, Ira Gershwin. Na adolescência, George conseguiu diversos pequenos trabalhos, como pianista e compositor, com os quais ganhou alguns trocados. Lançou-se ao mundo musical sem uma formação exemplar.
Sua primeira grande obra (Rhapsody in Blue) foi finalizada em 1924, com a banda de Paul Whiteman, ainda hoje sua peça mais popular.
Estudante indisciplinado, foi estudar em Paris, onde foi rejeitado por diversos professores. Lá, escreveu An American in Paris, peça orquestral na qual expressava seus sentimentos e impressões diante de uma cidade nova, moderna, diferente. An American in Paris estreou em 1928, em Nova York, sua primeira obra sem o uso de piano. Não muito depois, voltou aos Estados Unidos.
Gershwin teve duas grandes influências ao longo de sua vida: o jazz norte-americano e os compositores franceses do início do século (especialmente Maurice Ravel). Contudo, o estilo de Gershwin é único, não podendo ser comparado ao de outros compositores da época (podemos, inclusive, citar a resposta que lhe deu Arnold Schöenberg, quando George lhe pediu aulas de composição: "Eu apenas o faria um mau Schöenberg, e você é um bom Gershwin." Uma música orquestrada com fortes influências do jazz, é como podemos definir sua obra.
Em 1935, estreou, na Broadway, Porgy and Bess, que classificou como "ópera folk", sobre vida do povo negro e pobre dos Estados Unidos, combinando características da música popular dos negros africanos com o que havia aprendido de técnicas de composição operística.
Dois anos depois, o compositor sofre um tumor no cérebro. Uma cirurgia mal sucedida para a retirada desse tumor levou à sua morte, em 1937, aos trinta e oito anos de idade. Em 1959, vinte e dois anos depois, a cantora Ella Fitzgerald homenageou o compositor em seu álbum "The George and Ira Gershwin Songbook", um dos mais aclamados de sua carreira. Outros nomes, como Coltrane, Sinatra, Miles Davis, Hancock e Billie Holiday também gravaram canções de Gershwin.
Um trinado em lá inicia-se fraco na voz de um clarinete, ganhando vigor aos poucos, até que se transforma em um dramático glissando, deslizando lentamente sobre as notas até, com esforço, atingir um si bemol, quando os metais começam seu acompanhamento. Começa aí a Rhapsody in Blue. Esse solo inicial do clarinete não é de Gershwin. Ross Gorman, virtuoso clarinetista da banda de Paul Whiteman, em ensaio antes da estréia, o introduziu, adicionando um toque de humor à peça. Esse solo improvisado agradou a Gershwin, que lhe pediu que o repetisse em sua apresentação em público. Por fim, foi incorporado à partitura. Depois da entrada dos metais, o clarinete ainda tem para si a voz principal, cantando uma bela melodia, que se arrasta pelos primeiros compassos da peça. Trata-se, no fundo, de um pequeno concerto para piano e orquestra. O piano dialoga com todos os naipes, ora tendo a voz principal, ora apenas como acompanhamento. Gershwin usa e abusa da imitação em seus temas - a maioria, introduzidos pela orquestra, repetidos, com algumas alterações, pelo piano. A primeira parte é alegre, movida. Aos 10'10'', inicia-se uma frase com caráter completamente diferente dos alegre e brincalhões minutos iniciais. As cordas, em pianissimo, apresentam um tema dramático, romântico, especialmente bonito. Um violino, ao fim da frase, conduz a uma brilhante imitação, com os metais, fazendo o piano uma melodia de acompanhamento. Uma terceira imitação é feita pelo piano, sozinho, terminando em uma pequena pausa, seguida de um novo tema, novamente alegre. E é nesse espírito que a peça se encerra, num brilhante tutti, com a repetição de dois temas apresentados na primeira parte.
Woody Allen poderia ter escolhido trilha melhor para representar um dia na cidade que nunca dorme?
Trago aqui a lendária gravação da Columbia Symphony, com Leonard Bernstein tocando e regendo.
Download aqui
5 de dezembro de 2009
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