15 de dezembro de 2009

A música de quem não ouvia

Tarefa difícil é encontrar alguém que nunca tenha ao menos ouvido falar de Ludwig van Beethoven, ou conhecido excertos de alguma de sua peças. Essa pessoa, certamente, nunca ouviu o caminhão de gás ou a secretária eletrônica, com a tradicional Für Elise, ou as caixinhas de música com o tema do quarto movimento da nona sinfonia. A obra de Beethoven não pode, nem de longe, ser chamada de desconhecida, ou pouco explorada, ao contrário da maioria dos compositores eruditos.

Beethoven nasceu em Bonn, na Alemanha, em 1770, terceiro de uma família de oito irmãos. Seu pai, Johann van Beethoven, era cantor e professor em Colônia, e lhe ensinou suas primeiras lições de música. Vendo o grande talento que tinha o pequeno Ludwig, Johann o obrigou, desde cedo, a dedicar horas diárias ao estudo do piano, enquanto se entregava ao álcool. Em suas declarações, Ludwig, mais tarde, apontou tal situação como responsável por uma infância infeliz. Aos oito anos, iniciou seus estudos formais de cravo, com o virtuoso Christian Neefe. Em seis anos, havia alcançado um progresso tal que já era organista assistente da Capela Eleitoral de Bonn. Nisso, já havia composto suas três primeiras sonatas para piano, alguns lieder (canções para um cantor solista e acompanhamento instrumental) e quartetos de piano e cordas. Até então, sua obra girava em torno do piano, instrumento no qual tinha maior formação (o acompanhamento das Lieds era escrito para instrumentos de teclado).

Patrocinado pelo arquiduque austríaco, Maximiliano, Beethoven foi a Viena, aos dezessete anos, estudar com o compositor Joseph Haydn, tido hoje como "o pai da sinfonia moderna". Porém, lá permaneceu por poucos meses, tendo que regressar a Bonn. O motivo: o péssimo estado de saúde da mãe, que veio a falecer pouco depois.

De volta a Bonn, Beethoven iniciou um curso de literatura. Graças a ele, conheceu o escritor Friedrich Schiller, de cuja obra extraiu o texto do coro de sua nona sinfonia. Beethoven e Schiller, nesse curto período que o compositor passou em Bonn, tornaram-se excelentes amigos. Enquanto isso, continuou a compôr, o que o permitiu voltar a Viena, em 1791, a convite de Haydn. Desta vez, mudou-se para a atual capital austríaca em definitivo, onde teve aulas com os com Haydn e os compositores Johann Albrechtsberger e Antonio Salieri (o mesmo Salieri cuja imagem foi injustamente manchada diante dos não-italianos no premiado longa-metragem Amadeus, de Milos Forman e Peter Shaffer). Tal formação permitiu ao jovem compositor apresentar-se em grandes salões da cidade, conquistando admiradores na alta sociedade vienense. E, assim, viveu o fim do século XVIII levando uma carreira bem sucedida, sob a proteção dos poderosos de Viena. Tudo parecia dar muito certo na vida do compositor, quando surgiu a tragédia: a surdez. Seus primeiros sintomas foram diagnosticados em 1796. A partir daí, Beethoven enfrentou grandes períodos de depressão e isolamento. A surdez progredia lentamente no garoto prodígio de Bonn: foram vinte anos de sua aparição até a perda total da audição do compositor. Ludwig, em seus momentos de depressão, pensou inclusive em suicídio. Contudo, optou por permanecer vivo por causa da música. No Testamento de Heilingenstadt, carta que escreveu, em 1802, a dois de seus irmãos, sem chegar a enviar-lhes, declarou: "Devo viver como um exilado. Se me acerco de um grupo, sinto-me preso de uma pungente angústia, pelo receio que descubram meu triste estado. E assim vivi este meio ano em que passei no campo. Mas que humilhação quando ao meu lado alguém percebia o som longínquo de uma flauta e eu nada ouvia! Ou escutava o canto de um pastor e eu nada escutava! Esses incidentes levaram-me quase ao desespero e pouco faltou para que, por minhas próprias mãos, eu pusesse fim à minha existência. Só a arte me amparou."

Sua primeira sinfonia estreou em 1800. Assim como suas composições até então, seguia os moldes clássicos: o rigor na estruturação, na métrica das frases, na instrumentação. Motivos eram muitos: havia estudado com alguns dos mestres do classicismo, nasceu e cresceu ouvindo à produção do período e, como não podia deixar de ser, nele teve suas grandes influências. Entretanto, sentia que faltava algo mais em sua obra. A arte na Europa estava sofrendo uma grande mudança, provocada pelo advento de caracteres românticos na mentalidade e, consequentemente, na obra de profissionais de diversas áreas da arte. Estava por vir uma arte dos extremos. Razão e emoção, tempestade e calmaria, ira e serenidade, viriam a ser idéias frequentemente expostas lado a lado na música, na literatura, na arquitetura, nas artes plásticas. E foi com a terceira sinfonia, 'Eroica', publicada em 1804, que Beethoven atingiu esse ideal romântico. Mais do que nunca até então, os metais foram explorados, grandes explosões conviveram com passagens em pianissimo, e a clareza da métrica rigorosa parecia, então, haver sido abandonada. Dedicou a terceira sinfonia a Napoleão Bonaparte, embora tenha riscado se nome da dedicatória ao saber que havia tomado o poder na França.

A surdez de Beethoven aumentava cada vez mais, comprometendo sua capacidade de compôr com o ritmo de sua juventude. Em 1824, conclui sua obra-prima, a nona sinfonia. Foi a primeira sinfonia composta explorando um coro, que canta um texto de Schiller. É também uma das composições mais populares de todo o repertório erudito. Tamanha foi a sua importância que um CD tem a capacidade atual justamente para comportá-la. Beethoven regeu sua estréia, já completamente surdo (dois filmes sobre a vida do compositor contêm cenas memoráveis sobre essa execução: Minha Amada Imortal, de Bernard Rose, e O Segredo de Beethoven, - este repleto de erros históricos - de Agnieszka Holland). A nona sinfonia foi sucesso absoluto em toda a Europa. Foi a última grande obra de Beethoven. A partir daí, a crise que a surdez havia provocado agravou-se.

Após uma discussão com o problemático sobrinho Karl, de quem tinha a tutela, Ludwig saiu na tempestade, contraindo pneumonia. Aliada à cirrose hepática, foi a causa de seu falecimento, em 1827. A surdez, os problemas pessoais e a curta vida não o impediram de ser um dos maiores e mais influentes compositores que o mundo já viu.

Da obra violinística de Beethoven, trago aqui o Romance para Violino e Orquestra nº2, escrito em 1798. O compositor escreveu dois romances para violino e orquestra. Este segundo foi o primeiro a ser escrito, em 1798 mas, por ter sido publicado depois do outro romance, recebeu ao seu título o número dois. Além desses dois romances, Beethoven ainda escreveu um concerto para violino e orquestra, e inúmeras sonatas para violino. Um romance, na música, consiste na ornamentação de um tema, exibindo-o em diversas tonalidades, de caráter expressivo, cantabile. Foi uma forma bastante explorada no Classicismo e no Romantismo. Geralmente, há digressões (temas secundários, entre as diversas exposições do tema principal. Este romance inicia-se com o violino solista apresentando um tema, explorado em sequência pelas cordas e madeira, iniciando-se, logo após, uma digressão. O tema é reexposto, Ao seu fim, inicia-se uma segunda digressão. Basicamente, é isso que acontece durante toda a peça, até a coda final (tema que se inicia quando se espera uma conclusão, prolongando a música e conduzindo-a ao seu fim).

A interpretação é do violinista Kolja Blacher, com a Filarmônica de Berlim, regida pelo maestro Claudio Abbado.



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