A música erudita brasileira é, infelizmente, pouco difundida no território tupiniquim. À exceção da obra de Villa Lobos e de algumas outras poucas peças de compositores menos conhecidos, o repertório nacional é pouco explorado pelo público. Entre os músicos, nem tanto. Há uma grande preocupação das boas escolas de música, dos bons professores, em construírem nos novos artistas um maior conhecimento do que foi feito pelos nossos conterrâneos. Praticamente qualquer faculdade de música do Brasil hoje exige, em seu processo seletivo, que o vestibulando interprete alguma peça de compositor brasileiro. Todavia, o número de peças brasileiras executadas nas grandes salas de concerto é bem menor que o desejado. Geralmente, ficam com peças curtas, sem causar impacto considerável no público. Há, sim, bons concertos e recitais dedicados ao repertório nacional. Muitas vezes, a divulgação é fraca, o investimento é pequeno, e quem perde com isso é o público, que muitas vezes sequer toma conhecimento de tais eventos.
É indiscutível que o mais popular compositor brasileiro é Villa Lobos. Outro nome bastante lembrado é o de Carlos Gomes. Principalmente por sua Protofonia, de Il Guarany, tema de abertura do conhecidíssimo programa de rádio A Voz do Brasil, executado com frequência em eventos cívicos, e também por outras óperas que compôs (Fosca, em especial). Outros compositores, igualmente importantes, porém menos lembrados, são Francisco Mignone, Radamés Gnatalli, Cláudio Santoro, César Guerra-Peixe, Mozart Camargo Guarnieri. Construíram um notável repertório, e são menos valorizados que mereciam.
Venho hoje falar um pouco de um compositor pelo qual tenho uma admiração especial, o paulistano Francisco Mignone. Talvez essa admiração venha da bela obra pianística que deixou. Bem Mignone nasceu no ano de 1897, filho de imigrantes italianos. Seu pai, Alferio Mignone, era flautista, e lhe ensinou suas primeiras noções de música. Além da flauta, estudou piano e composição no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo (onde também estudou Mário de Andrade, e lecionou Camargo Guarnieri). Uma vez formado músico, dedicou-se por algum tempo à música popular, apresentando-se em rodas de choro e orquestras de baile em bairros de tradicional vida noturna da capital paulista, com o pseudônimo Chico Bororó. Ao mesmo tempo, também dedicava-se ao estudo da música erudita.
A vida de Francisco Mignone mudou radicalmente no ano de 1920, quando o compositor recebeu uma bolsa para estudar em Milão. A partir daí, a música erudita passou a tomar conta de seu trabalho. Lá estudou por nove anos, nos quais escreveu sua primeira ópera, O Contratador de Diamantes. Dela, conhecidíssima é a Congada, bailado do segundo ato, que foi estreada por Richard Strauss, no Rio de Janeiro.
Findos os nove anos de estudos na Itália, Mignone regressou ao Brasil, lecionando no Conservatório Dramático e Musical de S. Paulo. Em sua volta, tornou-se forte amigo do poeta e musicólogo Mário de Andrade. Influenciado por este, iniciou sua fase nacionalista, passando a procurar sua inspiração no folclore, nas tradições populares brasileiras. Em parceria com Mário, escreveu, entre outras peças, Festa das Igrejas e Maracatu do Chico Rei, por muitos considerada sua obra-prima.
Os últimos anos de Mignone foram dedicados à composição e à regência. Foi nomeado, em meados da década de 50, diretor do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Fundou, na Cidade Maravilhosa, o Conservatório Brasileiro de Música, e foi dono de uma cadeira na Academia Brasileira de Música. Faleceu em 1986, aos oitenta e oito anos de idade.
Do notável repertório pianístico que o compositor deixou, trago a Valsa de Esquina nº 12. Mignone escreveu, ao todo, doze Valsas de Esquina, uma para cada tom menor (dó menor, dó sustenido menor, ré menor, etc.). Essas valsas foram compostas entre 1938 e 1943. As valsas de Mignone são algo completamente diferente das tão tradicionais valsas vienenses que estamos acostumados a ouvir no dia-a-dia. Há uma influência muito forte do choro, das modinhas populares. As Valsas de Esquina são herança do período em que o compositor se dedicava às serestas, antes de partir para Milão. Explicando o título dado ao ciclo, Mignone afirmava que havia sido sugerido por Mário de Andrade, dizendo que "lembram aquelas valsas que, à noite, debaixo dos bruxoleantes lampiões a gás das esquinas, os chorões tocavam em suas serenatas às amadas que, atrás das venezianas ou cortinas, ficavam ouvindo. As esquinas serviam de refúgio, caso aparecesse um parente na rua para afugentar os boêmios perturbadores do silêncio noturno". Não obstante, tinham a sofisticação da música erudita, que havia estudado por toda a sua vida.
Nesta décima-segunda valsa, é possível perceber,logo nos primeiros compassos, a semelhança com os choros do início do século. A partitura exige considerável nível técnico do pianista, pelas oscilantes e ágeis linhas intermediárias. Uma valsa cuja expressividade lembra a das serestas, nas quais o compositor se iniciou. Mignone alterna passagens com maior volume de som com outras mais calmas, mantendo um caráter melancólico e romântico particular. A Valsa de Esquina nº 12, a última do ciclo, foi concluída em 1943, na tonalidade de Fá menor. A interpretação da gravação que segue é da pianista Guiomar Novaes.
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14 de dezembro de 2009
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